SINAIS DE FUMO-  01Outubro2005 - in:"Voz de Mira"

 

 
SINAIS DE FUMO
Licínio Patarra
  

"A vida é breve"
"Ainda que o outro desapareça fisicamente, que eu seja impossibilitado de estar com ele, no entanto ele não desaparece, mas pelo contrário, estará mais vivo em mim do que nunca"
Fernando Azeiteiro
O Fernando Azeiteiro passou por nós, acenou-nos com o seu sorriso e partiu.
Pensávamos nós que tinha partido, pois a sua imagem continua agora mais presente em nós do que quando connosco confraternizava com a alegria, a boa-disposição e o sorriso que lhe eram peculiares.
Palpitava nele uma libertação dos problemas existenciais da vida, ventura só alcançável por quem numa busca incessante conseguiu alcançar a sua resolução.
Essa contagiante libertação escancarava-se do seu rosto num iluminado sorriso aberto, numa alegria e felicidade tão espontânea, que ninguém conseguia ficar indiferente perante tão pegajosa felicidade. Era como se o Fernando quisesse concentrar na brevidade da sua vida tudo o que esta tem de melhor.
Naturalmente não era um super-homem, era um homem comum. Tão comum, tão espontâneo e tão terra a terra que não havia ninguém que dele não se quisesse aproximar para receber a graça da sua boa disposição.
Um homem comum, mas não um homem vulgar ou de vulgaridades.
Sabia como ninguém cultivar o valor da amizade, da família, da solidariedade e da paz.
Como filósofo que era tinha naturalmente as suas dúvidas, as suas inquietações, mas tal como o poeta poderia dizer não sei por onde vou, só sei que não vou por aí .
Por isso não é de estranhar que tenha olhado criticamente para esta mesma sociedade cheia de contradições e tenha escrito que hoje quanto mais a sociedade se humaniza, mais o sentimento de anonimato se estende; quanto mais há indulgência e tolerância, mais aumenta a falta de segurança do indivíduo em relação a si próprio; quanto mais se prolonga o tempo de vida, mais medo se tem de envelhecer quanto mais os costumes se liberalizam mais avança a sua impressão de vazio quanto mais cresce o bem-estar mais a depressão triunfa .
Mas como tão bem e também salientou o amigo José Vieira, na sua Festa de Homenagem, Fernando Azeiteiro foi ainda um homem de esperança e daí ter deixado escrito que por mais limitações que a vida nos coloque, arranjamos sempre lugar para o que amamos e ainda sempre que o homem tem a coragem de encarar as interrogações mais sérias da existência humana, especialmente as do sentido de viver, de sofrer e de morrer, não pode deixar de ser um homem de esperança .
Perante tudo isto é natural que a perspicácia de alguém mais sensível se tenha lembrado de lhe propor uma Festa de Homenagem, a que tive a honra de assistir e assim melhor me inteirar da pessoa que foi Fernando Azeiteiro.
Apesar de não ter o privilégio de ser um dos seus amigos mais chegados, tive o prazer de com dele privar varias vezes, respirando com ele a brisa de uma vida que embora breve vale a pena ser vivida apesar das suas interrogações e incertezas.
No fundo tudo é uma interrogação: a vida, a morte e até Deus que será a interrogação por detrás de todas as interrogações.
Nós, a exemplo do Fernando, não podemos fechar-nos a essa interrogação, pois perguntar pela vida, quando não se entende o seu sentido ou perguntar por Deus quando se parece ser ter sido abandonado por Ele é fundamentar a matéria de que somos feitos e é apelar à nossa dignidade de pessoas humanas.
 
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