O Seminário da Imaculada Conceição (1936-37 a 1986-87)
 
PRÉ-HISTÓRIA DO
SEMINÁRIO DA IMACULADA CONCEIÇÃO DA FIGUEIRA DA FOZ
SEMINÁRIO MENOR DA DIOCESE DE COIMBRA
COLÉGIO LICEU FIGUEIRENSE
 
Fundação
Em Outubro de 1902, o Dr. José Luís Mendes Pinheiro, Bacharel formado pelas Faculdades de Matemática e Filosofia da Universidade de Coimbra, ex-professor da Universidade e do Liceu central de Coimbra, abriu, na Figueira da Foz, o chamado Colégio Liceu Figueirense.
O Dr. Mendes Pinheiro, como era vulgarmente conhecido, era um homem que não se adaptava com facilidade às coisas feitas, nem a ideias preconcebidas, como deu provas, mais do que uma vez, na vida. Pensava por ele mesmo e procurava pôr em prática as suas ideias amadurecidas por longa reflexão. Era um homem vertical. Não se dobrava, cerimoniosamente, a sugestões, embora estas fossem, materialmente, aliciantes. E foi esta verticalidade que outros alcunharam de «caturrice» que o levou a fundar um colégio na Figueira da Foz e a experimentar nele métodos «originais» por ele concebidos e que deram ao Colégio Liceu Figueirense uma fama e sucesso acima dos seus pares.
   Tendo sido professor do Liceu central de Coimbra teve ocasião de verificar as deficiências do ensino médio, na formação da Juventude para a sociedade portuguesa. Daqui a concepção de um colégio a que poderemos chamar original, no método, mobiliário, edifícios (construção e disposição).
   Ao Dr. Mendes Pinheiro não interessava apenas uma formação intelectual dos alunos do Colégio, mas a formação humana num verdadeiro e total sentido, criar homens de bem, conscientes, verticais, numa palavra «homens de espinha». O aplauso de muitas famílias de Portugal e o grande número de alunos internos demonstraram que o Dr. Mendes Pinheiro não se enganara. Estava no caminho certo.

Instalação no «Pinhal»


   Em Outubro de 1905, o Colégio Liceu Figueirense instala-se em edifícios próprios. O Dr. Mendes Pinheiro realiza o seu sonho, apesar de muitos sacrifícios. O Colégio é uma «cidade de ensino». Há o edifício residencial, onde alunos e professores internos vivem em família. O edifício das aulas está à parte, pois, numa cidade as famílias mandam os filhos às aulas fora das suas residências. Há um ginásio para exercícios físicos com a finalidade de tornar as crianças ágeis e fortes; uma casa para trabalhos manuais (cultivar a habilidade manual); urna escola de equitação para adestrar os rapazes em exercícios de cavalgar, etc. Havia até. dentro do Colégio, moeda exclusiva para ensinar os rapazes a administrar o que era seu.
   Estes edifícios foram construídos para o colégio, segundo o orientação do Dr. Mendes Pinheiro e com a finalidade pedagógica que ele intentava, foram construídos num local magnífico, denominado «Pinhal», junto à estrada que da Figueira da Foz conduz à Serra da Boa Viagem. O local não é apenas grandioso pelas vistas, que dele se usufruem para qualquer dos lados, mas porque situado à beira-mar é muito saudável pêlos benefícios do ar marítimo sobre a saúde. Aqui esteve instalado o Colégio Liceu Figueirense durante cinco anos progredindo ano após ano.


Na Bélgica


   Os acontecimentos que ocorreram em Portugal em Outubro de 1910 (proclamação da República) levaram o Dr. Mendes Pinheiro a expatriar-se, a fechar o seu colégio na Figueira da Foz e a abri-lo na Bélgica, com o mesmo nome: Colégio Liceu Figueirense, na pequenina cidade a sudeste da Bélgica-Huy.
   Este facto, levar os alunos e professores para a Bélgica, abrir lá o Colégio Liceu Figueirense é a maior prova da força de vontade de um homem que quer realizar o seu ideal de educação como ele a concebia. Despesas, incómodos, expatriação de alunos e professores estavam abaixo da sua força de vontade. Não será caso único, mas revela um esforço que não é vulgar. O Dr. Mendes Pinheiro conservou sempre um reconhecimento grande para com a Bélgica que o acolheu e ao Colégio. Ao referir-se à Bélgica escreve ele: «Terra hospitaleira, país modelar, um dos mais avançados na civilização moderna».
   O Colégio Liceu Figueirense esteve na Bélgica durante três anos. O rebentar da Grande Guerra de 1914 obrigou o Colégio a regressar a Portugal.

Regresso à Figueira da Foz
Voltando a Portugal, o Colégio Liceu Figueirense veio ocupar as suas instalações na Quinta do «Pinhal», como dissemos, na estrada que da Figueira leva à serra da Boa Viagem.
   Aqui continuou o Dr. Mendes Pinheiro a aplicação do seu método educativo: Educar em familia. São dele estas palavras: «O educador deve ser amigo das crianças; deve saber captar a sua simpatia para que ela lhe manifeste os seus sentimentos e não isolar-se, impondo-se ao respeito pelo temor da sua autoridade absoluta e por vezes despótica».
   A respeito da educação religiosa o Dr. Mendes Pinheiro dizia: «A criança desde que atinge o uso da razão tem deveres a cumprir para com Deus que é preciso ensinar-lhe, guiando-a no cumprimento deles». E em outro lugar, acrescentava e precisava melhor: «Neste Colégio, corno instituto católico destinado exclusivamente a educação de alunos que desejam professar a religião católica, a educação religiosa está pois, intimamente relacionada com a educação moral».
Colégio Figueirense — Colégio da Diocese

   O Dr. Mendes ia sentindo o peso dos anos e as forças a faltarem-lhe para dirigir o Colégio Liceu Figueirense que «à. custa de muito trabalho e sacrifícios de toda a ordem» tinha fundado e dirigido. Ele no-lo diz: «Sentindo-me cansado e vendo a saúde a faltar-me, preocupava-me cada vez mais o futuro desta obra a que tinha consagrado a minha vida. Nesta altura (1929) chamou-me a Coimbra Sua Ex.a Revm.a, o Senhor D. Manuel para me propor a compra do Colégio».
   As conversações para a aquisição do Colégio por parte da Diocese começaram nos princípios de 1929. Dois homens estão frente a frente e cada um deles o mais enérgico e mais firme. D. Manuel Luís Coelho da Silva exige uma escritura de venda embora o usufruto ficasse reservado para o Dr. Mendes Pinheiro. Este diz entregar, para já, a direcção do Colégio à Diocese, mas só depois faria testamento dele à Diocese. Por vezes parece que tudo se desfaz.
   É então que se mete de permeio Monsenhor José dos Santos Palrinhas, ao tempo, Pároco de Figueira da Foz. Este sacerdote, sem alarde, quase em silêncio, mas com muito tacto, tinha um «geitinho» muito especial para convencer as pessoas. E conversando ou escrevendo, ora de cá, ora de lá, apelando para os sentimentos do Dr. Mendes Pinheiro leva-o a fazer a escritura do Colégio à Diocese. Em 13 de Abril de 1929 já Mons. Palrinhas escrevia a D. Manuel Luís Coelho da Silva: «Tudo está em ordem para fazer a escritura». A sisa foi paga na Figueira e importou em 3 OOO$OO.

   A escritura de compra foi feita na Guarda, no Cartório do Dr. Alberto Dinis da Fonseca, no dia 23 de Abril de 1929. Assim o comunicaram ao venerando Prelado, D. Manuel Luís Coelho da Silva, o Dr. Alberto Dinis da Fonseca em carta de 26 de Abril, Mons. António Pereira de Almeida que, como se depreende do seu cartão de 23.iv. 1929, foi o procurador da Diocese, e o próprio Dr. Mendes Pinheiro em carta de 25 de Abril de 1929, dirigida para Bustelo (Penafiel) onde D. Manuel Luís Coelho da Silva se encontrava. São dele estas palavras: «Estive ontem na Guarda onde encontrei o sr. Dr. Alberto um pouco melhor, mas ainda bastante doente. Mesmo na cama redigiu a minuta da escritura que ontem mesmo ficou assinada a tudo concluído conforme os desejos de V. Ex.a».
   Nesta mesma carta o Dr. Mendes Pinheiro lembrava ao Prelado a necessidade de designar a pessoa que devia tomar a direcção do Colégio e preparar as coisas para um ano lectivo novo e uma nova faceta da vida do colégio. Escrevia assim: «Agora convém que V. Ex.a designe brevemente a pessoa que há-de tomar conta da direcção efectiva do Colégio, pois é necessário começar com bastante antecipação a preparação da nova fase da vida do Colégio».
   Foi designado director do Colégio Liceu Figueirense (que por exigências do Ministério teve de mudar o nome para Colégio Figueirense), Mons. José Duarte Dias de Andrade.
   Era ele um sacerdote de muito prestígio na Diocese pela sua cultura, honestidade e relacionamento. Fora professor de História Eclesiástica no Seminário, director da Revista Eclesiástica, cónego capitular, presidente do Cabido, Vigário capitular depois da morte de D. Manuel Bastos Pina, conferente e pregador de largos recursos, Protonotário apostólico, deputado ao Parlamento, onde pela sua palavra fluente e causas que defendeu muito honrou a Igreja e a Diocese a que pertencia, tornando-se credor do reconhecimento de todos nós. Mons. Dias de Andrade teve de adquirir nesta data diploma de ensino particular.
   O Colégio, porém, ressentiu-se da mudança de proprietário e de direcção. Ás famílias retraíram-se, pois, com a nova direcção haveria certamente novos métodos pedagógicos e ficaram na expectativa, embora para efeitos de propaganda o nome do Dr. Mendes Pinheiro continuasse a aparecer abaixo do de Mons. Dias de Andrade. Faltou insistente e eficaz propaganda junto das famílias que, tradicionalmente, mandavam os seus filhos para o Colégio Liceu Figueirense. O número de alunos internos que chegou aos 50 em anos passados, estava reduzido a 19 em 1935.
   Em Julho deste ano (1935) a Diocese, pensou em arrendar o Colégio aos Irmãos Maristas. Estes vieram ver o Colégio e ficaram bem impressionados. Em carta a D. Manuel Luís Coelho da Silva escreveram: «Ficamos gratamente impressionados de tudo o que vimos e temos a convicção que o edifício se presta admiravelmente para Colégio podendo reunir numerosos internos mediante uma boa organização». Nesta mesma carta pediam ao Prelado as condições de arrendamento que lhes foram transmitidas mas não aceites pêlos Maristas. Ern 19 de Julho de 1935 respondiam eles: «Os Irmãos Maristas tinham muita vontade de tomar a direcção do Colégio Figueirense, pois para isso fizeram sacrifícios e despesas, mas a impossibilidade de entrar em acordo obriga a que abandonemos a ideia de fundar na Figueira da Foz e a procurar outros centros para a sua actividade».
   Entretanto Mons. Dias de Andrade acusava cada vez mais o peso dos anos e o cansaço de um lutador saído vitorioso de tantos combates. Era necessário substituí-lo.
   Não se tendo realizado o arrendamento do colégio pêlos Irmãos Maristas a Diocese teve de nomear novo Director; e fê-lo na pessoa do P. António Antunes da Cruz Gomes, em Outubro de 1935. A Diocese punha neste sacerdote algumas esperanças de que o Colégio pudesse ressurgir da decadência a que tinha chegado. O «Correio de Coimbra», n.° 687 (31.8.1935), certamente com intuitos de propaganda para o Colégio Figueirense, fazia daquele sacerdote um rasgado elogio, pondo em relevo a sua formação intelectual e qualidades pedagógicas. O Colégio, porém, tinha descido abaixo dos limites de urna possível recuperação.
   Em princípios de 1936 constara na Figueira que o Colégio Figueirense ia fechar. O Dr. Carlos Loureiro, em seu nome e de outros, fez então uma proposta de administração do Colégio à Diocese em que haveria também um representante da Diocese. Esta proposta tem a data de 7 de Março de 1936. Os autores da proposta desconheciam o pensamento do Prelado de Coimbra: criar no Colégio Figueirense o Seminário Menor da Diocese. Por esta razão tal proposta não foi tida em conta.
   Este assunto — a criação no colégio do Seminário Menor da Diocese — foi certamente exposto ao Dr. Mendes Pinheiro que, em 4 de Maio de 1936, mandou a D. António Antunes um «Memorandum», historiando a fundação do Colégio e a sua vida e concordando com «a possibilidade da instalação dum novo Seminário no antigo Colégio Figueirense».
   São dele as seguintes palavras: «...Mas bem ponderadas as cousas, desde que a Diocese não tem possibilidades de fazer ressurgir o antigo colégio, por falta de pessoa idónea para o dirigir e deva criar um novo Seminário, o interesse económico determina que ele seja aqui instalado desde já. Estas instalações sempre acabarão, certamente, por terem tal destino, pois, ...... eu desejo
que elas venham a pertencer-lhe (à Diocese) por minha morte. Como já disse, visto que é impossível a continuação do Colégio como eu o tinha idealizado, estimarei que ele subsista para o fim especial de educar rapazes que se destinam ao sacerdócio. Mais valerá, pois, que o Colégio passe já a esse novo destino...». E numa carta posterior (23.5.1936) ao Memorandum, o pensamento do Dr. Mendes Pinheiro e a sua satisfação de que o Colégio passe a Seminário são bem claros.
   Escreveu a D. António Antunes: «Creia V. Ex.a Revm.a que verei com satisfação esta obra ter, ainda nos últimos anos da minha vida, uma aplicação tão útil para a Igreja Católica, embora não seja precisamente aquela para que eu a tinha fundado. O homem põe e Deus dispõe; e se tais foram pois os altos desígnios de Deus permitindo que eu criasse este colégio e o conservasse através de tantos obstáculos, considero-me feliz tendo sido humilde instrumento da sua realização».
   Acaba bem o que bem principia. O Dr. Mendes Pinheiro edifica um Colégio sui generis; segue métodos originais; forma homens que sempre o hão-de recordar. O Seminário Menor de Coimbra instalado no antigo Colégio Liceu Figueirense forma carácteres que serão sacerdotes que louvarão ao Senhor.


A. Brito Cardoso

 

O livro tem a autoria do Padre João Coutinho Veríssimo

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