Carlos Seixas (1704-1742)

por Macario Santiago Kastner

Carlos Seixas, sem dúvida alguma o autor português mais notável da primeira metade do século XVIII, no que respeita à composição de Sonatas ou Tocatas para instrumentos de tecla.

Nasceu em Coimbra a 11 de Junho de 1704 e faleceu em Lisboa a 25 de Agosto de 1742.

Contemporâneo mais novo de J. S. Bach, G. F. Händel, J. Ph. Rameau, D. Scarlatti, G. Ph. Telemann e de muitos outros mestres célebres, não gozou da longevidade daqueles, morrendo antes dos seus ilustres colegas estrangeiros e, provavelmente, também antes de poder realizar-se na plenitude das suas faculdades de criação artística.

A sua formação musical deve-a principalmente a seu pai, Francisco Vaz, organista da Sé de Coimbra.

Após ter sucedido a seu pai no cargo, Seixas mudou-se em 1720 para Lisboa onde passou a ocupar o lugar de organista da Sé.

Domenico Scarlatti desempenhava as funções de Mestre de Capela, mas não parece ter exercido influência pedagógica e estilística excessivamente profunda sobre o seu subalterno.

Segundo relatou o lexicógrafo José Mazza:

"...quiz o Sereníssimo Senhor Infante D. António que o grande Escarlate (D. Scarlatti), pois se achava em Lisboa no mesmo tempo lhe desse (a Seixas) alguma lição, regulando-se por aquela ideia errada de que os portugueses por mais que fação nunca chegarão a fazer o que fazem os Estrangeiros, e o mandou ao dito: este apenas o viu pôr as mãos no cravo, conhecendo o gigante pelo dedo, lhe disse - Vossa mercê é que me pode dar lições, e encontrando-se com aquele Senhor lhe disse - Vª Alteza mandou-se examinar, pois saiba que aquele sujeito é dos maiores professores que eu tenho ouvido".

Em virtude das funções de Seixas como tangedor de tecla na Capela da Santa Basílica Patriarcal (e provavelmente também na Capela Real, já que entre ambas existia conexão), o centro dos seus interesses gravitou principalmente em torno da música para instrumentos de teclado e, de modo especial, em torno dos problemas de constituição e estruturação da sonata bipartida, oferecendo-lhe o seu lugar menos ensejo para cultivar outros géneros de música.

Não se nos afigura abundante a sua produção de música sacra e não se lhe conhece ópera alguma.

No âmbito da música de orquestra só podemos citar uma Abertura, uma Sinfonia, - ambas relacionadas com a forma da Suite - e o pequeno Concerto em Lá maior para cravo e orquestra de arcos, um dos primeiros porventura que naquela época se compôs para essa combinação entre solista e conjunto instrumental.

O lugar mais representativo de tangedor de tecla que Seixas teve a ventura de ocupar na capital do reino, facilitou-lhe certamente o acesso às casas da alta sociedade lisboeta, onde havia de exercer o seu mister de pedagogo, como professor quer de cravo quer de clavicórdio (maniciórdio).

Conforme reza a história, Seixas contou em Lisboa com numerosos alunos e alunas ilustres.

É presumível que também ensinasse órgão.

Das cento e tal Sonatas de Seixas que actualmente conhecemos, uma escassa meia dúzia foi destinada, pelo próprio autor ou pelos copistas ulteriores, ao órgão.

Destas, as mais organísticas acham-se ainda vinculadas à forma de Tento, praticada pelos organistas antecessores imediatos de Seixas, ou procuram acomodar-se à senda da incipiente fuga instrumental de teor italo-ibérico.

Para os instrumentos de tecla com cordas Seixas concebeu principalmente a sonata (bipartida) estruturada em duas partes, cada uma das quais com a sua repetição.

A segunda parte prossegue geralmente com o material motívico exposto no início da primeira, mas agora na dominante ou subdominante ou no relativo maior ou menor da tónica na qual conclui o trecho.

De quando em quando, o andamento da sonata é seguido de um ou dois Minuetes e ainda de outra dança estilizada.

Os temas iniciais destes trechos podem ou não ser derivados da primeira ideia do precedente andamento da sonata.

Ocasionalmente têm que ver com estruturações mais complexas, mas que não são presságio da mais tardia sonata vienense.

No entanto, a maioria das sonatas parecem destinar-se mais ao clavicórdio do que ao cravo.

Seixas concebeu essencialmente música para instrumentos de tecla com cordas baseados no diapasão e no registo de oito pés.

Como é sabido, os cravos ibéricos e italianos concentravam-se mormente nos registos de oito pés, ao passo que os franceses, ingleses e alemães incluiam o registo de quatro pés, e excepcionalmente conheciam o de dezasseis e o de dois pés.

Ora a idiosincrasia dos Portugueses, com a sua propensão para a melancolia, a nostalgia, o sentimentalismo, as manifestações de lirismo e ainda para a eternamente barroca saudade oceãnica, que não se coadunam com a exteriorização de afectos calculados e codificados segundo as regras de comportamento da época, sempre deu (e continua dando) preferência ao melos cantante e altamente expressivo, realizável com a maior facilidade no clavicórdio, mas também em instrumentos de cordas dedilhadas como a harpa e a viola (guitarra hispânica), mas impossível de pôr satisfatoriamente em prática através do condicionamento de sonoridades rígidas e muito menos maleáveis e sensitivas inerentes à natureza do cravo e, do mesmo modo, à do órgão barroco.

Se bem que o cravo e a espineta, instrumentos de cordas beliscadas, ornassem os salões de muitas casas nobres, não foram menos os clavicórdios - instrumentos de tecla de cordas percutidas em que o tangedor pode controlar constantemente a produção do som - que marcaram presença nas câmaras dos melómanos, nos aposentos e nas celas dos estudiosos.

Muito embora na actualidade seja impossível afirmar categoricamente se na Lisboa de antes do terramoto de 1755 existiriam mais cravos ou mais clavicórdios, verdade é que nos tempos presentes se conservam nas colecções portuguesas de instrumentos antigos mais clavicórdios do que cravos.

Convém não esquecer que no passado, na Península Ibérica, o clavicórdio (ou manicórdio) era o instrumento em que estudavam tanto os organistas como os mestres de capela e cantores com aspiração ao ofício de compositor.

Por outro lado, o clavicórdio era igualmente o instrumento em que o homem dialogava com Deus.

Como pode verificar qualquer pessoa que queira empreender um estudo analítico das sonatas de Seixas, contrariamente às de Domenico Scarlatti, que na sua maior parte são essencialmente cravísticas e amiúde não isentas de desígnios relacionados com o Essercizio, as do Português, tão frequentemente impregnadas de um melos assaz lusitano, além de descurar certos propósitos pedagógicos, conformam-se muito mais com a natureza do clavicórdio.

Em boa verdade, são clavicordísticas.

Só um número relativamente reduzido de sonatas de Seixas se adaptam ao cravo no sentido de D. Scarlatti, ou de J. Ph. Ramaeu.

Sonatas como a:

  • nº 16 em Dó menor

  • nº 25 em Ré menor com o seu Minuete ostentando estranhas harmonias ibéricas

  • nº 35 em Mi menor, evocando a guitarra portuguesa

  • nº 43 em Fá menor, tão pré-romântica, sentida e "empfindsam"

  • nº XV em Sol maior, cuja dilatada e delicada urdidura melódica se embrenha em modulações e enarmonias que anunciam a afinação de temperamento igual.

Todas essas sonatas,bem como outras, revelam quão intimamanente a sonata seixasiana se coaduna com as sonoridades maviosas do clavicórdio.

Macario Santiago Kastner

(notas do LP "BERNARD BRAUCHLI - Carlos Seixas - Nove sonatas", 1982)

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