ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA AMIGOS DO ÓRGÃO

“TUDO O QUE VOCÊ QUERIA SABER SOBRE O ÓRGÃO,

                                                                                                    E TEVE MEDO DE PERGUNTAR…”

António Mota Novembro de 2000  - 13/21

Ou

“34 Perguntas Embaraçosas sobre Órgãos de Tubos”


Dos Fundos, Mutações e Misturas e Respectivas Regras de Uso

P21: Já estamos a falar de regras de registação, Mestre?


R21: “Regras” é uma palavra demasiado forte, pelo que iremos colocá-la sempre entre aspas. O ouvido e o gosto pessoal de cada um são, em última análise, quem manda, e não o que se possa escrever ou o que possa estar escrito sobre o assunto. Mas sim, podemos considerar como enunciada a “Regra 1 – Do Uso da Celesta”.

Tipos de Registos:

Fundos

Mutações

Misturas

Antes de passarmos a outras “regras”, importa, uma vez organizados os tubos labiais por famílias, fazer o mesmo mas desta feita em relação aos registos, que se podem agrupar em fundos, mutações e misturas:

Exemplos de Fundos:

Exemplos de Mutações:

Exemplos de Misturas:

Flautado 8’

Gamba 4’

Flauta 2’

Bordão 16’

Nasard

Larigot

Tierce

Septiéme

Sesquialtera II

Cornet V

Mistura IV

Tierce II

Os fundos são a base sonora do Órgão. Salvo indicado, qualquer peça pressupõe a presença de pelo menos um fundo de 8’, o registo base a partir da qual se pode erguer toda uma pirâmide sonora. Nos fundos incluem-se os flautados, flautas, bordões e gambas, sejam de 32’, 16’, 8’, 4’, 2’ ou 1’.

Frequentemente em partituras de música romântica e moderna fazem-se apelo a todosos fundos do Órgão, normalmente com a expressão “fundos de 8’” ou “fundos de 8’ e 4’”.

Já à combinação de fundos de 8’, 4’ e 2’ pode estar associada a expressão “Chorus”, na terminologia

inglesa.

Notar, no entanto, que pode ser problemático chamar-se mais que um registo de 2’ (ou 1’) ao mesmo tempo, caso haja problemas de afinação entre eles. Com efeito, basta uma pequeníssima diferença de afinação para tornar impossível a fusão dos dois registos (o problema da afinação é bastante mais crítico nos agudos que nos graves, daí este problema levantar-se sobretudo para os 2’ e 1’). Portanto, uma vez mais, por o ouvido à escuta!

A combinação de Principais e Flautas com Cordas é comum num contexto romântico, sendo no barroco mais limitada a, por exemplo, partes de acompanhamento de um prelúdio-coral ornado (notar que a Gamba já existia nos Órgãos desta época, pelo que certamente eram para ser usada!).


As mutações são registos que servem para realçar determinados harmónicos dos fundos, como é o caso do registo de Nasard (3º harmónico, intervalo de 12ª). Não se devem usar em solo, portanto, pois resultaria uma transposição da peça. Por exemplo, tocar uma peça em Dó Maior só com um registo de Nasard faria soá-la uma oitava mais um quinta perfeita acima, em Sol maior, portanto!

Por outro lado, só devem ser combinados com fundos suficientemente fortes, para que o ouvido oiça de facto um timbre e não notas paralelas.

Por exemplo, seria “erro” num contexto tradicional combinar-se um Bordão Tapado 8’ apenas com uma Quinta 2+2/3’ (o primeiro é da família das Flautas e o segundo é um Principal, de amplitude muito mais “forte”!). As mutações tipo Flauta servem mais para construir timbres solísticos, enquanto que a supra-citada Quinta 2+2/3’ pode ser usada para obter uma sonoridade de um pequeno “cheio”, combinada com Principais de 8’, 4’ e 2’, bem entendido.


As misturas servem igualmente para enriquecer o timbre dos fundos ou de uma base de 8’, para dar brilhantismo à sonoridade do Órgão.

Como o seu nome sugere, as misturas caracterizam-se por recorrerem a várias filas de tubos, fazendo pois soar mais que um tubo por nota do teclado.

Essas filas de tubos encontram-se em fileiras muito cerradas no someiro. No puxador/botão de accionamento das misturas assinala-se em numerais romanos o número de filas da mistura em causa. Paralelamente, a presença de uma indicação de uma altura em pés refere-se ao maior tubo existente na mistura - o som mais grave produzido pela mistura, portanto.

 Existem 2 tipos básicos de misturas, umas para obter a sonoridade de “cheio” e outras, tal como as mutações, que servem para construir timbres solísticos (ou servir de complemento sonoro às palhetas).

As misturas de “cheio” são construídas sempre com tubos Principais, caracterizando-se ainda por apresentar quebras na sua composição ao longo de troços de escala (por exemplo, de oitava em oitava), por forma a impedir que o som suba continuamente até agudos que seriam impossíveis de ouvir, ou que simplesmente se tornariam demasiado desagradáveis ao ouvido.

Um exemplo da composição de uma mistura típica de 4 filas que poder-se-ia chamar Mixtur IV é:

Este tipo de misturas devem ser usadas em conjunto com fundos de 8’ (Principais e Flautas) e com Principais de 4’ (o uso de Flautas de 4’ tende a enfraquecer o timbre final) e eventualmente Principais de 2’. A Simbala, normalmente de 3 filas, caracteriza-se por ser uma mistura com harmónicos muito agudos, usando-se frequentemente em complemento com outra mistura “grave”, como uma Mistura IV. Existem (mais raramente) misturas deste género que incluem terceiras na sua composição. O seu uso ou não é uma questão subjectiva, mas muitos consideram que a presença da terceira retira a pureza de som que caracteriza uma mistura tradicional (que só tem quintas e oitavas). Semelhante “erro” pode ser feito ao recorrer-se a um Cornet ou Sesquialtera para tentar obter um som “cheio”, pois estas misturas contêm a terceira.

Com efeito, o Cornet e a Sesquialtera são misturas sem quebras de composição que têm funções completamente diferentes das misturas do outro tipo, pois têm em vista a obtenção de timbres solísticos, não servindo para “fazer acordes”, por assim dizer. Não alheio a isto está o facto dos tubos constituintes destas misturas serem da Família das Flautas (enquanto que as outras misturas recorrem a Principais) e de incluírem o intervalo de terceira na sua composição. O Cornet pode ter entre 3 e 5 filas. No caso de ter 5 filas, estamos perante um Cornet completo, isto é, que inclui na sua composição os harmónicos 1 (fundamental) até ao 5 (terceira + 2 oitavas).

No caso de ter 3 ou 4 filas, quer dizer que faltam os harmónicos mais graves, devendo então o Cornet ser combinado com Flautas das necessárias alturas. Mesmo no caso de um Cornet completo, pode ser necessário reforçar a fundamental.

Este registo pode também ser usado conjuntamente com uma palheta de 8’, do tipo Trompete, tanto num contexto solístico como polifónico, pois do seu uso resulta uma suavização do timbre da palheta.

No caso do Órgão não dispor explicitamente de um Cornet, pode ser possível elaborar um à custa dos registos de mutação Nasard e Tierce, ou recorrendo à Sesquialtera.

A Sesquialtera, que tem 2 filas, deve igualmente ser usada em conjunto com Flautas de 8’ e 4’, para realizar solos com um timbre característico. É composta por uma 12ª (quinta+oitava) e uma 17ª (terceira maior + 2 oitavas), os harmónicos 3 e 5, portanto. Tanto a Sesquialtera como o Cornet devem evitar ser usados na zona grave dos teclados, pois o ouvido tende a aperceber-se da composição desses registos, não percebendo o som como um timbre global. Aliás, muito frequentemente a Sesquialtera e o Cornet de certos Órgãos só funcionam a partir da segunda ou terceira oitava do teclado.

Como nota final a esta problemática, refira-se que o registo de Tierce pode aparecer em certos Órgãos como registo de mutação e noutros como mistura de 2 filas (não quebrada, fazendo soar a17ª e a 19ª).

E pronto, da “Regra 2 – Do Uso dos Fundos, Mutações e Misturas” estamos conversados.

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