ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA AMIGOS DO ÓRGÃO

“TUDO O QUE VOCÊ QUERIA SABER SOBRE O ÓRGÃO,

                                                                                                    E TEVE MEDO DE PERGUNTAR…”

António Mota Novembro de 2000  - 15/21

Ou

“34 Perguntas Embaraçosas sobre Órgãos de Tubos”


Das Várias Secções do Órgão e Respectivas Regras de Uso

P23: Mestre, os registos que já falamos podem ser encontrados em qualquer teclado do Órgão?


R23: Não exactamente. Cada teclado (manual ou pedal) controla uma secção separada do instrumento, cada uma com o seu conjunto de registos. É como se de vários Órgãos se tratassem, cada um com um carácter e personalidade próprias. O número e características dos registos das várias secções, assim como o próprio número e proporção relativa das secções varia imenso de Órgão para Órgão, em função da época, país, construtor, etc., sendo impossível definir padrões standard. Mas, considerando a evolução do instrumento e uma certa globalização de técnicas, num hipotético instrumento moderno de média/grande dimensão, construído tendo em vista a execução de um leque de repertório alargado, podemos encontrar as seguintes secções:

  • GrandeÓrgão,

  • Expressivo,

  • Positivo,

  • Solo,

  • Bombarda e

  • Pedal.

 

P24: O que caracteriza a secção do Grande-Órgão, Mestre?


R24: A secção do Grande-Órgão (Great, Grand Orgue, Hauptwerk) é a secção mais importante do Órgão.

 É normalmente o teclado mais baixo num instrumento de 2 manuais (o teclado I,  portanto – conta-se sempre a partir de baixo!) ou o segundo em instrumentos de 3 ou mais manuais. É usual este teclado poder chamar todos os outros com mecanismos de acoplamento.

Na secção do Grande-Órgão podemos encontrar um Principal e uma Flauta de cada altura (até de 16’ nos grandes instrumentos), mutações e misturas (normalmente uma “grave” e outra “aguda”, mas por vezes apenas uma “grande”, de 5 ou mais filas). Alternativamente a um Principal 16’, podemos encontrar um Bordão 16’ ou um Quintatão 16’.

Havendo uma Corda, costuma ser uma Gamba 8’.

É típico também existirem palhetas do tipo coral (Trompete 16’ e/ou Trompete 8’) e um Cornet de 4 ou 5 filas. A sonoridade de “cheio” é obtida desta secção.

 

P25: E o Expressivo? Porquê esse nome?


R25: À secção do Expressivo (Swell, Récit, Schwellwerk) costuma corresponder o teclado de cima em instrumentos de 2 e 3 manuais (teclado III quando há 4 ou mais teclados). No primeiro caso (2 teclados, instrumentos de pequena e média dimensão, portanto) a secção pode apresentar características mistas de Expressivo e de Positivo.

O nome desta secção advém do facto dos seus respectivos tubos estarem encerrados numa caixa com persianas, controladas por um pedal, para se poder obter efeitos de dinâmica na música romântica e moderna, ou para se regular simplesmente o equilíbrio sonoro em relação às restantes secções.

Notar que as persianas influenciam não só na intensidade sonora mas também no timbre, pois elas, quando fechadas, tendem a filtrar de modo diferente os agudos dos graves.

Frequentemente, a secção do Expressivo tem tantos ou mais registos que o Grande-Órgão. Normalmente só em grandes instrumentos o Expressivo dispõe de um Principal 8’, por razões de espaço na caixa, recorrendo mais a tubos tapados para essas alturas. É no Expressivo que, além de um Principal e uma ou mais Flautas (de tipos diferentes) de cada altura, podemos encontrar também Cordas de 8’ e 4’.

Costuma também haver pelo menos uma mistura e registos de mutação suficientes para elaborar um Cornet. Em termos de palhetas podemos encontrar um Oboé 8’ e um Trompete Harmónico 8’, assim como um Clairon 4’ e um Basson 16’. É costume dizer-se que o Expressivo é a secção mais representativa do Órgão romântico, pelas possibilidades dinâmicas desta secção, e pela abundância de fundos e palhetas, uma verdadeira trademark destes Órgãos. Os registos tipo “celeste”, a existirem, costumam estar também nesta secção.

 

P26: E o Positivo, Mestre? Mais uma vez, porquê esse nome?


R26: À secção do Positivo corresponde normalmente o teclado mais baixo da consola, em instrumentos de 3 ou mais manuais.

Tal como os do Grande-Órgão, os seus tubos não se encontram encerrados numa caixa, como no caso do Expressivo.

Frequentemente esta secção tem como base um Principal 4’ sendo a pirâmide sonora inferior (até 8’, o 16’ é mais raro) preenchida por bordões. Os tubos podem encontrar-se colocados atrás do lugar do organista, caso em que dizemos estar perante um Positivo de Costas (Rückpositiv). Em qualquer dos casos, a ideia é terem-se os tubos bastante próximos do exterior, pelo que esta secção é particularmente adequada, na música barroca, para passagens rápidas e exigentes em termos de articulação.

Para isso contribui igualmente a capacidade de resposta rápida dos jogos do Positivo, e porque não referir a leveza que este teclado normalmente apresenta, podendo-se articular com bastante precisão. O Positivo inclui normalmente uma mistura “aguda” tipo Simbala. A secção do Positivo pode ser usada para acompanhar os coros, à imagem dos antigos pequenos Órgãos que se usavam para esta função, ou dos ainda hoje usados para realizar o baixo contínuo na orquestra barroca, e que recebem justamente a designação de Órgãos Positivos.

Paralelamente, o Positivo serve na música barroca para jogos de diálogo com o Grande-Órgão, assim como para, quando acoplado a este, enriquecer-lhe o timbre e a potência sonora. O Positivo dispõe também normalmente de pelo menos um jogo de mutação (frequentemente o Larigot). Ou mais, caso o Expressivo não disponha de meios para elaborar um Cornet, sendo então aqui que eles se encontram. Uma palheta do tipo Cromorno 8’ é também costume fazer parte desta secção.

 

P27: E o Solo?


R27: Ao quarto manual dum Órgão corresponde normalmente a secção de Solo. Como o nome indica, esta secção inclui sobretudo registos solísticos, sobretudo de palheta, sendo no entanto que a sua composição varia imenso de Órgão para Órgão. Cada caso é um caso. É típico no entanto ter-se uma palheta de 8’ (por vezes de 16’), em chamada, assim como outras mais suaves, encerradas numa caixa expressiva.

 

P28: E a secção da Bombarda? Tem alguma relação com as palhetas do mesmo nome?


R28: Ao quinto teclado de um Órgão, ou ao quarto num instrumento de 4 teclados, se não for uma secção de Solo, costuma corresponder uma secção denominada Bombarda, em imitação de certos Órgãos franceses do séc. XIX.

Na verdade, muitas vezes tratava-se de uma secção “flutuante”, sem teclado atribuído, cujos sons eram “chamados” por outros teclados através de acoplamentos. Nesta secção encontramos tipicamente registos de palheta tipo coral, nas alturas 16’, 8’ e 4’, havendo por vezes também uma mistura de muitas filas. Esta secção pode ser usada, por exemplo, através de acoplamento ao teclado principal, no passo final de um grande crescendo romântico. Se esta secção for incluída no quarto teclado, pode também conter registos de solo vários.

 

P29: Finalmente o Pedal…


R29: Na secção do Pedal, em instrumentos pequenos, podemos encontrar apenas um registo de 16’, ou um 16’ e um 8’ (na pior das hipóteses tapados). Mas em grandes instrumentos a secção do Pedal pode ser muito vasta. Mesmo nos Órgãos antigos, no caso alemão, a secção da pedaleira era particularmente rica (menos no caso francês, enquanto que em Inglaterra e Itália esta secção nem costumava ser independente, pois só permitia acoplamentos a teclados).

As notas escritas para o pedal correspondem às notas mais graves de um teclado de manuais, pelo que do uso de um 16’ sozinho resulta um canto à oitava inferior. De qualquer modo, se a presença do 16’ está subentendida (salvo indicação em contrário, ou no caso de solos), a presença do 8’ é também mandatória, seja com registos independentes desta secção, seja por acoplamentos a outros teclados, pois no fundo o 16’ serve como um reforço no grave da base de 8’.

Um Órgão moderno de média/grande dimensão dispõe de Principais e Flautas de 16’ e de 8’, e eventualmente de um Principal de 4’ para solos na extensão do tenor (Choralbass).

No Pedal podemos também encontrar uma mistura e eventualmente um registo de quinta (5+1/3’), que ao ser usado com um 16’ permite obter um 32’ “acústico” (i.e. resultante da diferença de frequência dos sons). Os instrumentos de grande dimensão dispõem mesmo de um Principal 32’ (nos Estados Unidos da América há Órgãos com Principais de 64’!), sobretudo se já existir um Principal de 16’ num manual.

Podemos encontrar também palhetas corais de diversas alturas, assim como uma palheta solística de 4’. Mesmo em instrumentos de dimensão modesta, é típico haver uma palheta de 16’ (Bombarde), para realçar a linha do baixo e melhorar a resposta do baixo. Há quem defenda que, a ser usada, deve ser sempre acompanhada por uma palheta de 8’, para evitar um vazio de timbre (“o 8’ é a base e não pode estar em falta”) mas a verdade é que muitos órgãos têm uma palheta de 16’ mas não a de 8’! Em Órgãos românticos podemos também encontrar uma Corda de 16’ (Violon) e de 8’.

P30: Portanto, foi esta aRegra 4 – Do Uso das Diversas Secções”?


R30: Sim, mas o assunto, nem de perto nem de longe, se esgota aqui. Por exemplo, outros órgãos podem ter secções do tipo antifonal, cujos tubos estão separados da parte principal do instrumento, servindo para provocar efeitos verdadeiramente impressionantes. Claro que só em instrumentos de tracção eléctrica é que podemos encontrar estas secções. No Apêndice B,  apresenta-se a disposição de um Órgão moderno de 4 teclados e pedal, feito em 1964 pela firma holandesa D. A. Flentrop, e que se encontra instalado na Sé Patriarcal de Lisboa.

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