Foi
este o tipo de órgão e de música de órgão bem como esta doutrina,
acrescentada com algumas achegas que, mais ou menos, vigorou até aos
nossos dias. No que diz respeito ao órgão histórico, a quase totalidade
dos instrumentos actualmente existentes no nosso país corresponde ao
período que, iniciando-se em 1544, data provável da construção do órgão
da Sé de Évora, termina em princípios do século XIX, mantende-se mais ou
menos sempre dentro das mesmas características, perdendo-se depois
praticamente a tradição da organaria portuguesa. Após algumas
experiências da construção de órgãos de pendor romântico particularmente
por parte do organeiro bracarense Joaquim Claro, que trabalhou na
primeira metade do séc XX, e da construção de um monumental órgão no
Palácio de Cristal, no Porto, que seria inaugurado em 1865 pelo próprio
Charles-Marie Widor, órgão destruído definitivamente em 1951,
construíram-se mais recentemente em Portugal alguns instrumentos de
maiores proporções que obedecem às características de outras escolas
europeias de onde provinham os próprios construtores, embora já
influenciados por uma tentativa de renovação ou mesmo recuperação das
sonoridades específicas do instrumento, iniciada nos inícios do século,
pelo movimento conhecido como “Orgelbewegung”. O maior órgão existente
hoje em Portugal é o do Santuário de Fátima, um órgão de características
italianas e ainda de sabor romântico, construído nos anos cinquenta, com
cinco teclados e à volta de 12 mil tubos. Dentro do espírito da
“Orgelbewegung” tem-se voltado a uma construção que utiliza de novo a
transmissão mecânica e procura restaurar a sonoridade particular do
órgão barroco, limitando a registação ao essencial. Com essas
características construiu-se o órgão da Sé do Porto em 1985. Este órgão
pretende aliar à organaria alemã, responsável pela construção, algumas
das características tímbricas do órgão ibérico sobretudo nas palhetas.
Mais recentemente vão-se construindo outros órgãos, nomeadamente nas
cidades do Porto e Leiria ou Beja, por construtores alemães, como é o da
Igreja da Lapa no Porto, de transmissão mecânica também, mas de
tendência mais romântica.
[i]
Uma excelente aliança entre o órgão ibérico, as exigências do seu
repertório e as possibilidades dos órgãos mais evoluídos da Europa,
tanto do ponto de vista tímbrico como do ponto de vista mecânico,
encontra-se no órgão da Sé de Angra do Heroísmo construído pelo
organeiro açoreano Dinarte Machado e inaugurado em 1993. Aí, para além
da presença das sonoridades particulares próprias do órgão ibérico,
existe a possibilidade de utilizar, a gosto do organista, tanto o “meio
registo” como os registos inteiros, pois o órgão é dotado de três
teclados.
Uma grande campanha de restauros de órgãos históricos bem
como a sua inventariação está actualmente em curso no nosso país,
[ii]
se bem que, na maior parte dos casos, os órgãos restaurados, pela sua
localização no coro alto das igrejas e pelas características técnicas
que assinalámos, não correspondam às exigências de funcionalidade que a
liturgia actual propõe ao instrumento acompanhador, ainda que não
totalmente incompatíveis. Por outro lado, do ponto de vista do
repertório a utilizar, as possibilidades de tais órgãos e mesmo de
alguns daqueles que surgiram do movimento da "Orgelbewegung" são muito
reduzidas, pelo que privam organistas e ouvintes da possibilidade de
contactar com a parte mais considerável do repertório organístico.
No que diz respeito ao repertório para órgão, composto pelos
compositores portugueses, é bastante reduzido a partir do séc. XVII. No
séc. XVIII a música de órgão submete-se às características da música de
cravo e não só, como já anteriormente acontecia com a obra Flores de
Música para tecla e Harpa de Manuel Rodrigues Coelho; trata-se de
uma música marcada por uma certa superficialidade ao nível da construção
e da elaboração dos temas, um tanto próxima do estilo italiano e muito
distante do mais que se produzia por essa Europa fora; bastante
aceitável, mesmo assim, a dimensão organística da obra de Carlos de
Seixas. Do séc. XIX nada se conhece de relevante, ao passo que no séc.
XX poderemos assinalar obras como Ária e Coral de Luís de Freitas
Branco, algumas obras como Sonata pra o tempo de Natal e
Concerto para Órgão e Orquestra de Frederico de Freitas, o
Tríptico Litúrgico de Manuel Faria. Mais recentemente Joaquim dos
Santos tem-se dedicado particularmente à escrita para Órgão, uma
actividade já iniciada nos tempos de Roma com Prelúdio e Fuga, e
continuada recentemente com Improviso e outras obras para
formação de câmara com a inclusão do órgão. A estes deveremos
acrescentar as obras de juventude do compositor e organista João Pedro
Oliveira, Cinco Visões do Apocalipse e, mais recentemente o
Livro de Órgão Ibérico e sobretudo uma obra de feições mais
vanguardistas, Harmonias e Ressonâncias. Ainda durante os
estudos em Roma, Jorge Alves Barbosa escreveu Fantasia e Fuga sopra
Alleluia “Pascha Nostrum” em que usa uma linguagem de tendência
modal.
[i]
O movimento conhecido como "Orgelbewegung" pretende redescobrir e
reutilizar os princípios que regulamentavam a construção de órgãos
no séc. XVIII. Mais do que restaurar e reconstruir órgãos
históricos, optou-se pela construção de novos dentro dos princípios
e técnicas de construção dos antigos.
[ii]
Os organeiros a trabalhar em restauros de órgãos portugueses, são,
neste momento: António de Jesus Simões (Ansião), Manuel Dinarte
Machado (Açores), Pedro Guimarães (Porto), Manuel Fonseca
(Barcelos). A movimentação iniciada pela criação da Associação
Portuguesa dos Amigos do Órgão bem como os "Congressos" por ela
promovidos com as respectivas visitas aos instrumentos vêm alertando
as consciências e entidades públicas responsáveis para este
património.